quarta-feira, 21 de março de 2012

Marinho

Marinho, “Requiem aeternam dona eis”

Theo Padilha

Uma melancólica notícia, logo pela manhã, veio empanar o brilho dessa terça-feira. Início de verão. Marinho sucumbira a horrível doença que lhe tirou o fogo de todos os entusiasmos, o viço de todas as ilusões, a mocidade, as esperanças de glória e de seu futuro. O seu guardamento estava cheio de parentes. O seu pequeno corpo inerte havia chegado de Curitiba. Logo depois um carro de alto falantes percorria as ruas de sua cidade anunciando, tristemente, a sua morte.
Era o termo do marceneiro, com mais de trinta anos de profissão. Marinho Amaro de Oliveira. Confessamos publicamente que não tivemos coragem de ver o seu franzino corpo dentro de um caixão, construído por marceneiros. Um quadro muito triste, para quem o conheceu cheio de vida.
Marinho era um grande ator. Gostava tanto de cinema. Trocamos muitos filmes. No futebol driblava como um Neymar. Sempre dizia que fora ele quem inventara o famoso “elastiquinho” usado por Rivelino. E sempre foi requisitado naquela época por todos os times tavorenses.
E na sinuca então, foi campeão muitas vezes desse jogo. Ele era muito bom mesmo.
Também no jogo de truque era magistral. E todos os parceiros o queriam do seu lado.
Sempre achamos divertida a observação que fazia dos amigos. Vivia observando o comportamento dos amigos. Se uma pessoa contava um causo. Um nosso amigo respondia. “Lá minha cidade era assim também.” Ele nos olhava com malícia tentando mostrar o deslize.
Às vezes era muito cômico. Um ator como já falamos. Certa vez ele apareceu no bar arrastando um galho de árvore pela avenida como se estivesse puxando um cachorrinho. Aquilo foi hilário.
E durante as partida de truque. Quando todos estavam quietos pensando na jogada, ele gritava:
─ Tião! (o dono do bar levava um susto!) me dá mais uma! - esse bordão ficou famoso por todos os frequentadores.
Marinho bebia. Só que estava muito fraco. Com duas ou três doses ele já mudava o seu comportamento. Tímido, saía do seu habitat, como o caramujo saindo da casca.
E no batuque, também era mestre. Ele sempre dava o show, era um exímio baterista. Até já havia atuado num conjunto da cidade, nos anos 60.
Aqui queremos fazer uma mesura por irreparável perda. Que sua querida mãezinha o receba com muito carinho lá no céu ao lado de Jesus Cristo. E que sua família toda se conforme desse doloroso transe. È assim a vida. Descanse em paz grande amigo, carismático. Descanse em paz “Chapolim”. E pedimos ao Criador do Universo: “Requiem aeternam dona eis!” ( Daí-lhe o repouso eterno).


Joaquim Távora, 20 de março de 2012.

sábado, 17 de março de 2012

Pobreza não é defeito - Livro: Nossas Marcas

Pobreza não é defeito


É muito difícil descrever uma casa de caipira. A minha era assim. Uma casa de brasileiro. Brasileiro mesmo, desses que moram no interior do interior. Daqueles que só vão à cidade em época de política ou pra vender queijo na festa. Desses que guardam dinheiro dentro do colchão.
Geralmente são muito simpáticos, gostam de uma boa prosa. Falam alto. Cospem no chão sem cerimônia. E não titubeiam em dizer palavrões. Dentro do ônibus é um deus-nos-acuda. Gritam como se estivessem falando, ou falam como se estivessem gritando.
─ Dia cumpadi, capô o cavalo?
Logo que chegamos às suas casas já vemos a parede cheia de santinhos e retratos. Retratos de todos os parentes em volta dos avós. Retrato de mortos dentro do caixão, de cavalos, cachorros e galinhas. Na sala, sobre a mesa uma calota de carro brilhando, como um troféu de tênis, ao lado de um vaso de flor plástica que até já perdeu sua primitiva cor. Na prateleira ou sobre a cristaleira cheia de copos de massa de tomate, vários litros de licores, com várias formas, litro mesmo, ovalado, redondo, sei lá. Cuja validade acabou. Um ou outro bebe o conteúdo e enche de água colorida. Na parede da cozinha em meio à fumaça do fogão à lenha. Vamos encontrar um pano de prato com a caricatura de um leão. Mais parecendo um cachorro magro. Em baixo uma inscrição, muito mal bordada e cheia de erros: “O LIÃO É UM ANIMAU FEROS”. Com o “S” virado ao contrário.
Quando se mudam dá tristeza de ver. Mal encosta o velho caminhão à gasolina, já vêm seus filhos querendo ajudar. Nessas mudanças existe de tudo. Metade de um pneu que é para servir de bebedouro às galinhas. Enorme lata cheia de terra empedrada, com uma planta seca no meio. (“Foi presente da Dona Maria!”). Uma velha peneira de taquara furada. A cama amarrada com arame. Enormes colchões de palhas com uma mancha amarela de urina no meio, como se fosse a Bandeira Nacional. Dois urinóis esmaltados e descascados. Chapa de fogão comida pela ferrugem. Várias panelas pretas, como se fossem de teflon. Enxadas gastas. Foices gastas. Cabos de vassouras e de enxadas. Várias varas de pescar. Rede de pesca. Uma velha espingarda de carregar pela boca. Uma gaiola com papagaio dentro quase sem pena. Depois ainda, um rebolo de pedra. Um velho pilão rachado. Muitas trouxas de roupa. As latas de guardar mantimentos, todas amassadas. Malas de fibra. Bacias de alumínio gigantes, com fundo de madeira, que serviam para lavar roupa, lavar defuntos, amassar o pão e fazer a macarronada de domingo. Um enorme torrador de café. Máquinas de costura. Grandes mesas de pau-a-pique, cadeiras com uma só perna, brinquedos etc.
A recepção na casa de um interiorano brasileiro é com um café. Este café é servido em canecas de alumínio cheia até a boca. Adoçado com rapadura. Em algumas casas a dona da casa oferece doce de mamão. Uma tigela cheiinha. Da qual você deve precaver-se. Ela lhe pergunta: “gostou?” Se a resposta for afirmativa, vai ter que comer mais.

Theo Padilha 11 de julho de 2008

Minha Saúde - No Livro de Theo Padilha:"Nossas Marcas"

Minha saúde



Eu estou preocupado. Até já comprei veneno. Sou filho de pais separados. Interei duas “safenas”. Estou com DNA no sangue.Tenho glóbulos vermelhos no sangue. Coliformes fecais no intestino. Sopro no pulmão. Fecho os olhos e não vejo nada.Tenho miopia. Estou urinando à noite. Estou ouvindo coisas. Esqueço o nome dos alunos. Vejo figuras coloridas na parede. Vejo aranhas, lagartixas. Entro no hospital. saio na farmácia. Já fui parar na cadeia. Fico pensando besteira. Virei a cabeça. Minhas mãos tremem. Sinto cheiro das coisas. Estou expelindo fétidos gazes. Estou próximo do cemitério. Não estudo mais. Não tenho pai. Perdi minha mãe. Meu irmão morreu. Meu time vive perdendo. A APP diz que meu salário é uma mixaria. Devo no banco, na padaria, no mercado, na Jujurus, no Merlin Ferrugens, no Bar do Mofo, no Móveis Martírio, Na Mira-Tira, etc.